quinta-feira, 10 de setembro de 2009

Negritude e teologia bíblica


Uma leitura de Gl 3,28 a partir da negritude

                                             
 Ir. Maicon Donizete Andrade Silva, FMS

“Não há, judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3, 28)


Refletir sobre negritude na atual realidade surge para nós como verdadeira necessidade e também como oportunidade. Primeiro como necessidade porque essa temática nos convida a olhar a realidade ao nosso redor e perceber como a negritude tem sido vista e mostrada pela sociedade e como os próprios negros e negras lidam com esse tema. É uma oportunidade porque surge como uma chance de mostrar as riquezas que ela guarda em seu seio, verdadeiro dom de Deus que se revela na beleza, no brilho da cor, na alegria, na dança e no gingado.

Vivemos numa sociedade marcada pela diversidade, seja no nível cultural, étnico, religioso, de pensamento ou de expressões diversas quanto ao jeito de vestir-se e se comportar. Um desafio que o mundo contemporâneo nos apresenta diante de uma realidade tão heterogênea é a necessidade de se criar uma cultura de paz e igualdade no respeito e no acolhimento das diferenças, pois são elas que nos tornam pessoas especiais, diferentes e complementares.


Podemos definir negritude (do francês négritude) a partir do nome dado a uma “corrente literária que agregou escritores negros francófonos e também uma ideologia de valorização da cultura negra em países africanos ou com populações afro-descendentes expressivas que foram vítimas da opressão colonialista.” Uma outra definição que nos é apresentada pelo dicionáio Aurélio diz que negritude consiste na “fase de conscientização, pelos povos africanos, da opressão colonialista, a qual busca reencontrar a subjetividade negra, observada objetivamente na fase pré-colonial e perdida pela dominação da cultura branca ocidental”.

As duas conceituações apresentadas mostram-se complementares. Hoje elas nos ajudam a compreender a negritude como busca de reafirmação da identidade por parte dos povos afrodescendentes. Dois elementos importantes são destacados: valorização cultural e conscientização. São dois eixos fundamentais em toda luta em defesa da dignidade de um povo.

Ao olhar a realidade percebemos uma situação que vem se perpetuando ao longo de séculos, ou seja, o grande desnível que separa ricos e pobres. Por isso, faz-se urgente propiciar meios para superação desse abismo social, onde poucos dispõem de muito e muitos dispõem de pouco ou quase nada. Urge repensarmos a estrutura social piramidal da qual somos herdeiros e criarmos um novo modelo de sociedade onde as relações sejam sustentadas por uma cultura de igualdade e fraternidade entre as pessoas.

Diante do contexto apresentado, podemos citar aquilo que São Paulo disse às primeiras comunidades cristãs, o que as ajudou a amadurecerem na sua reflexão: “Não há, judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus” (Gl 3, 28). Já no século primeiro, ainda com o fervor apostólico dos primeiros discípulos de Jesus, diante do processo de difusão da mensagem evangélica, Paulo nos apresenta um elemento central do Evangelho: “em Cristo todos somos um”. Isso reflete o quanto essa mensagem desde o princípio foi algo tão importante para os seguidores de Jesus, pois é a expressão do desejo de muitos em favor da construção de uma nova sociedade, não mais sustentada a partir de relações de senhores e servos, mas sobre relações de respeito e igualdade.

Paulo anuncia não mais somente para judeus, mas também para os ditos gentios, aqueles que estão além das fronteiras da sociedade judaica. Foi esse o espaço onde a mensagem salvífica de Jesus começou a se expandir, principalmente através das comunidades helenistas.

A carta aos Gálatas foi escrita por volta do ano 56 d.C. em Éfeso e traz como tema fundamental a liberdade: “Cristo nos libertou para que sejamos verdadeiramente livres” (Gl 5,1). Paulo quer reafirmar que os cristãos são pessoas livres que, desejosos de construir uma nova sociedade a partir de outro modelo de relações, sustentados pela liberdade e a prática do amor.

Gl 3,28 mostra-nos o essencial proposto pelo Evangelho que é a superação das relações de desigualdade, desrespeito, exploração e discriminação cultural, de classe e gênero. Esse foi o convite de Paulo à comunidade cristã da Galácia que, hoje, é estendido a todos nós: viver a radicalidade do projeto de Cristo como verdadeiro sinal de liberdade e fraternidade no respeito e acolhimento das riquezas que a diversidade nos apresenta.

Falar de negritude hoje implica falar de conscientização e valorização de nossa identidade afrodescendente. Eis aí o desafio lançado a todos nós, negros, brancos, indígenas e pardos: que criemos uma nova realidade social onde as pessoas se acolham e se respeitem naquilo que são, pois, na riqueza de nossas diversidades, não deve haver mais a relação de escravos e livres. Somos chamados a ser um só em Cristo Jesus, verdadeiramente libertos.

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